Glória W. de
Oliveira Souza
Essa ‘fabricação’ tem como
escopo o pressuposto do agenda-setting, que, de acordo com Shaw (apud
Wolf, 1995),
“é a compreensão que as pessoas têm de grande parte da realidade social lhes é
fornecida por empréstimos, pela mass media”. Wolf (1995) diz que esse fato se dá pela
acumulação, que está ligado ao fato de a capacidade que os mass media
possuírem para criar e manter relevância de um tema, ser o resultado global –
obtido após certo tempo – do modo como funciona a cobertura informativa do
sistema de comunicações de massa. Forma-se, assim, a agenda de opinião pública,
que diz respeito “à percepção que um sujeito tem do estado da opinião pública:
trata-se da importância que o indivíduo pensa que os outros atribuem ao tema;
corresponde a um ‘clima de opinião’ e pode inserir-se nas chamadas
tematizações” (Wolf, 1995).
Tematização
Desta forma, pode-se
inferir que a poluição visual, ou estresse visual, está em voga. Já está
tematizado pelo mass media. Para Wolf (1995), “tematizar um problema
significa, de fato, colocá-lo na ordem do dia da atenção do público, dar-lhe o
relevo adequado, salientar sua centralidade e o seu significado em relação ao
fluxo da informação não-tematizada”. Mas o assunto ora tematizado ainda não foi
devidamente explorado em seus aspectos teóricos, conceituais e definições.
Goldenberg (1997),
lembra que teoria “é um conjunto de princípios e definições que servem para dar
organização lógica a aspectos selecionados na realidade empírica. (...) Na
realidade, tanto leis como hipóteses estão sempre sujeitas à reformulação. A
essência de uma teoria consiste na sua potencialidade de explicar uma gama
ampla de fenômenos através de um esquema conceitual ao mesmo tempo abrangente e
sintético”. De acordo com a autora, “toda construção teórica é um sistema cujos
eixos são os conceitos, unidades de
significação que definem a forma e o conteúdo de uma teoria. Categorias são os conceitos mais
importantes dentro de uma teoria. (...) Hipóteses
são afirmações provisórias a respeito de determinado fenômeno em estudo. Uma
hipótese é uma suposição duvidosa, algo provável, que poderá ser posteriormente
confirmada ou rejeitada”.
Enquanto a hipótese não é
colocada à prova, no caso da poluição visual, a socialização das informações
dos pesquisadores exige um exercício permanente de crítica e autocrítica, pois,
conforme Ortiz
(apud Souza, 1999), a informação nasce vinculada à noção de tecnologia e
ela só ocorre no contexto das sociedades modernas. Mas o autor alerta que “o
conhecimento não estabelece com a tecnologia o mesmo tipo de relação. [O
conceito de] informação dialoga com ela, mas não se reduz a sua expressão”. No
entanto, como a informação não é cumulativa, ela é sempre filtrada pelo crivo
da estratégica, aponta ainda o autor, ao explicar que “uma vez alcançada a
meta, ela se torna irrelevante (...) ela perde sentido quando deixa de ter
serventia. Nesse caso, obsolescência é sinônimo de inutilidade. Por isso o
acúmulo de informação é absolutamente desinteressante”. Desta forma, o fato de
possuir mais ou menos informações armazenadas não implica, necessariamente,
maior ou menor conhecimento das coisas.
Nesse sentido, os
dispositivos de divulgação publicitários surgem como um dos elementos mais
visíveis do espaço urbano contemporâneo. Golobovante (2002) diz que a publicidade, ao
ser veiculada, “reveste o espaço urbano de uma textura simbólica, utilizando-o
com um canal de veiculação da sua mensagem, e, dessa forma, reescreve,
ressemantiza e renomeia este espaço, influenciando a sua configuração e, em
contrapartida, sendo influenciada por ele. O espaço urbano assume, assim, uma dimensão
simbólica”. E essa dimensão é feita por imagem, já que esta “reúne em si as
condições para que os três modos de relacionamento entre sujeito e o mundo – o
estético, o pragmático e o lógico – se processem harmoniosamente em vez de
entrarem em guerra abertas uns com os outros” (Coelho, 1997). Para esse autor, a imagem
tem o caráter psicológico de uma representação da fantasia e não o caráter
quase real da alucinação, isto é, nunca toma o lugar da realidade. E ao
processar a relação entre real e fantasia, as mensagens publicitárias no
ambiente urbano produz identidade cultural, reconhecendo esse conceito como
cultura, que aponta para um sistema de representação – elementos de
simbolização e procedimentos de encenação desses elementos – das relações entre
os indivíduos e os grupos e entre estes e seu território de representação,
incluindo sua produção, seu meio, seu espaço e seu tempo.
A identidade cultural,
advinda da publicidade no ambiente urbano, modifica a paisagem e o passante.
“Um olhar diurno capta uma imagem diferente daquela de um olhar noturno.
Detalhes marcantes ficam mais visíveis em determinadas horas. A luz e o néon
têm a capacidade de transformar a paisagem, através dos quais podem se fundir
cores e texturas” diz Golobovante (2002), ao complementar que a cidade
contemporânea é um suporte de signos que devem ser apreendidos
instantaneamente, onde “o sequencial cede lugar ao simultâneo, forma e função
chegam a ser unidades”. Assim, a sociologia compreensiva, que tem suas raízes
no historicismo alemão, distingue ‘natureza’ de ‘cultura’, pois considera
necessário estudar os fenômenos sociais e utilizar “um procedimento
metodológico diferente daquele utilizado nas ciências físicas e matemáticas”
(Goldenberg, 1997). E a escolha de um objeto para estudo já significa um
julgamento de valor na medida em que ele é privilegiado. A autora aponta que
“as ciências sociais têm sua especificidade, que pressupõe uma metodologia
própria”.
Metodologia
Ao se considerar que para
uma metodologia seja eficaz, muitas variantes precisam ser levadas em conta no
momento da análise do ambiente urbano. A gestalt tem como princípio que
“o todo é a unidade mais proveitosa para a análise, já que ele se constitui em
sistema independente” (Katz; Doria; Lima, 1971), portanto, não há porque
insistir que as imagens urbanas afetam biopsiquicamente os indivíduos, pois a
percepção visual – análise e interpretação da informação recebida e processada
através do sistema visual – não pode ser confundida com a percepção subliminar,
onde as mensagens são recebidas e processadas de forma tal que a pessoa não tem
consciência dela (Stratton; Hayes, 1974). Portanto, “o medo que
hoje assola a humanidade é mais fruto do desconhecimento e da falta de
informação do que de ações demoníacas da indústria da propaganda” (Souza, 2003).
Ao considerar que as
mensagens publicitárias no ambiente urbano contribuem para a poluição e
estresse visual, tem-se o que Foucault (apud Mattelart, 2003) chama de controle social.
“A ‘disciplina-bloco’, feita de proibições, bloqueios, clausuras, de
hierarquias, encerramentos e ruptura de comunicação. E a
‘disciplina-mecanismo’, feita de técnicas de vigilância múltiplas e
entrecruzadas”. E esse controle, ao atingir o âmbito político, se transforma em
“símbolos do poder [que] são símbolos de soberania” (Lurker, 1997). No dizer de Coelho
(1997), isso se chama paternalismo cultural, que é “as proteções excessivas,
oferecidas pelo Estado, à produção cultural de maneira indiferenciada ou a um
ou alguns modos culturais escolhidos”.
Nesse sentido, Vargas e
Mendes apontam que o meio
ambiente urbano, quanto a sua visualidade, deveria seguir esses preceitos e “no
caso de anúncios nos próprios edifícios, seria necessário repensar todo o
processo de controle. Ou seja, rever os critérios de definição do que seria
anúncio”, ao complementar que o poder público deveria “imprimir uma
fiscalização eficiente para verificar se os projetos de fachadas foram
devidamente aprovados”. As autoras propõem ainda medidas restritivas para a publicidade
em fachadas e pedem para “discutir a necessidade de pagamento de taxas e rever
os critérios locacionais”. Entretanto a proposta das autoras não se limita a
restrições, e sugerem que a municipalidade “é que deveria se apropriar da renda
diferencial proveniente das localizações privilegiadas em termos de
visibilidade e de fluxo de pessoas, para colocação de anúncios”. Nesse sentido,
o ambiente urbano se transformaria em intermediador, configurando o ato em
“intermediação cultural [que] tem forte conotação economicista e aplica-se com
mais propriedade àqueles casos em que a operação designada tem os traços das
operações que se registram no campo das trocas econômicas” (Coelho, 1997).
Ao delegar o poder de
escolha da visualidade urbana ao poder público constituído, a visibilidade
ambiental tende a transformar o tema da poluição visual naquilo que Althusser
chamou, em 1970, de aparelhos ideológicos de Estado. São atos e pensamentos
autoritários emanados da inteligência intelectual, mediante uso dos mass media
como canal de autoridade. Zucker (apud
Wolf, 1995), alude que “quanto menor é a experiência direta que as pessoas
têm de uma determinada área temática, mais essa experiência dependerá do mass
media para se possuir as informações e os quadros interpretativos
referentes a essa área”. Althusser (apud Mattelart, 2003), ao definir o
aparelho ideológico de Estado, o diferencia dos instrumentos repressivos que o
Estado já possui, como o Exército e a polícia, que exercem a coerção direta. Já
os aparelhos ideológicos de Estado cumprem funções ideológicas, como um
aparelho significante (escola, igreja, mídia, família, etc.) e “têm por função
assegurar, garantir e perpetuar o monopólio da violência simbólica, que se
exerce sob o manto de uma legitimidade pretensamente natural”.
Num momento em que as barreiras econômicas,
culturais e de fronteiras se alargam devido à globalização, medidas restritivas
tem como escopo o localismo, e confronta com os preceitos da
transculturalidade, na medida que isso significa a existência de “culturas que
se constituem na intersecção de diferentes espacialidades e temporalidades que
encontram num dado território um ponto de coexistência sincrônica” (Coelho,
1997). Ao invés de resultarem da justaposição cultural – e essa justaposição inclui
também a questão da visualidade urbana – os adeptos da existência de poluição
visual apostam no localismo, que “designa, na pós-modernidade, uma tendência de
retorno ao particular, ao pequeno e ao diferente em oposição ao universal, ao
grande e ao igual ou que há de constante” (Coelho, 1997). A transculturalidade
aposta na interação entre diferentes modos culturais, que convergem para a
formação de um modo híbrido e não um patrimônio estável e sempre idêntico a si
mesmo.
Em face da falta de amparos metodológicos e
científicos da existência da poluição visual urbana, que, por conseguinte
geraria o estresse visual, cabe neste momento propugnar para que todos os
envolvidos na temática da visualidade urbana busquem, de maneira
multidisciplinar, tratar o assunto em direção à dessimbolização, que é o
processo cultural pelo qual as emoções e os sentimentos são separados do
pensamento e focar no objeto estético, que “só se realiza com a contemplação do
perceptor, que ainda o explica e o atualiza” (Assis Brasil, 1984). Esse objeto estético - a
visualidade urbana - é formado por imagens fundidas, que, de acordo com
Oliveira, pensa-se que se “pode escapar de sua sedução, as imagens coladas –
agora realidade e imaginação – permanecem fundidas. Toda vez que evocadas, uma
ou outra, as duas existirão”. Assim, ao invés de se advogar a perissemia para ‘poluição visual’,
urge a busca da polissemia, que é a multiplicidade de significações para uma só
palavra. E essa palavra comporia a frase: existe realmente poluição visual?
GOLDENBERG, M. A arte de pesquisar. Rio de Janeiro,
Record, 1997.
LURKER, M. Dicionário de simbologia. São Paulo: Martins Fontes,
1997.