O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab[2], encaminhou projeto de lei à câmara do município com o objetivo de proibir a publicidade exterior na cidade. Para justificar o ato, o prefeito, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo[3] menciona que 90% da publicidade exterior paulistana está fora-da-lei e que “com leis confusas, obscuras e contraditórias, o mercado é regulado por uma margem imensa de subjetividade que abre oportunidades de corrupção”. Além disso, ele aponta que o setor é responsável pela “poluição visual da cidade”, sem, entretanto, apontar qualquer indício nesse sentido. Ao contrário do que se imagina, o prefeito não pesquisou o suficiente para tal alegação, pois se o fizesse, certamente não encontraria qualquer estudo, notícia ou referência de dano causado ao ser humano pela publicidade exterior no meio urbano. Martins (2002)[4] e Freitas (2004)[5] ao investigarem mortes e doenças em idosos e jovens decorrentes da poluição atmosférica concluíram que há sim efeitos adversos na saúde da população. Com o mesmo objetivo, Nascimento (2006)[6] fez estudos com grupos de crianças internadas com pneumonias, confirmando que poluentes do ar afetam a saúde infantil, além demonstrar “a elevada susceptibilidade das crianças aos efeitos adversos advindos da exposição aos contaminantes atmosféricos”. A mesma conclusão tinha chegado Bakonyi[7] em 2004. A preocupação com a poluição atmosférica também fez parte dos estudos de Medeiros e Gouveia (2005)[8], ao medir a relação entre poluição do ar e peso de crianças ao nascer. Para os autores, “os resultados reforçam que a exposição materna à poluição do ar no primeiro trimestre de gestação pode contribuir para o menor ganho de peso do feto”.
Portanto,
a preocupação com a poluição atmosférica é realmente um caso de saúde pública,
inclusive foi estudado por Rumel[9] em
1993 para verificar a associação existente entre os valores de temperaturas
máximas diárias e valores médio e máximo diários de monóxido de carbono no
Município de São Paulo e a ocorrência de Acidente Vascular Cerebral (AVC) e
Infarto do Miocárdio (IM). A conclusão foi que “das internações anuais por IM,
2,1% são devidos à poluição atmosférica e 4,9% a altas temperaturas. Das
internações anuais por AVC, 2,8% são devidas a altas temperaturas. Não foi
identificada associação entre monóxido de carbono e AVC”. Até mesma a poluição
sonora foi pesquisada. Paz, Ferreira e Zannin (2005)[10],
fizeram estudo comparativo da percepção do ruído urbano. Concluíram que “a
população da zona controlada indicou aumento no nível de ruído percebido. O
nível sonoro no centro da cidade tem se mantido praticamente constante e muito
acima do especificado pela Lei Municipal. Os indicadores gerados podem servir
como parâmetros para caracterizar a percepção à exposição contínua ao ruído
pela população”. Portanto, poluição atmosférica e sonora afeta a saúde, mas não
há qualquer menção quanto a poluição visual. Assim, cabe a pergunta: há estudos
que indicam malefícios nos seres humanos provocados pela exposição à
comunicação visual urbana? Nem mesmo acidentes de trânsito – há os que acusam a
publicidade exterior de desviar a atenção de motoristas e pedestres – foram
noticiados tendo como causador a propaganda ao ar livre. O que se depura do
projeto de proibição proposto pelo prefeito de São Paulo é que o mesmo tenha
outra finalidade, que não a preservação da saúde e do bem-estar da população.
Nunca se deve esquecer que a
disputa pela sobrevivência, incluída aí o poder, levou muitos povos a
sobrepujar seus inimigos. Em tempos remotos, isso ocorria através da força
física. Ferrés (1998)[11]
diz que “nas democracias ocidentais, há escassas limitações físicas às
liberdades individuais, mas são substituídas por pressões sutis, mais
sofisticadas, menos conscientes. Não costumam ser limitações físicas, mas sim
psíquicas”. Essa sutileza na retenção da liberdade individual amedronta os
receptores da comunicação, que julgam viver de forma racional e consciente de
suas ações e aspirações. Pensar racionalmente não significa ser livre. Souza
(2003)[12]
aponta que “o medo tomou conta da humanidade. Qualquer fato ou ação é motivo de
temeridade, por mais banal que seja. Essa desconfiança, como não podia deixar
de ser, atingiu a indústria da propaganda”. Tudo em nome da racionalidade. Mas
Dichter (1970)[13] afirma
que “a racionalidade é um fetiche (...) nossa cultura
não nos permite admitir a verdadeira irracionalidade como uma explicação de
nossa conduta. E, no entanto, a maioria dos sistemas religiosos e políticos,
assim como aspectos da conduta humana, tais como a lealdade, o amor e o afeto,
são todos irracionais”. O indivíduo julga ser livre, mas há limitações que o
prendem na irracionalidade, mesmo porque, como alerta Martineau (apud
Ferrés, 1998) “a razão é seletiva; em outras palavras, não é racional.
Raramente mudaremos as crenças das pessoas com argumentos racionais”. E essa
temeridade já chegou à visualidade urbana.
Freud disse, certa vez, que
quando razão e emoção se defrontam, normalmente é a razão, e não a emoção, que
sucumbe. Portanto, quando se trata de assuntos no qual o coletivo está envolvido,
no conturbado mundo atual, mais do que nunca, as pessoas estão agindo muito
menos do que pensam movidos por suas convicções, suas ideias e seus princípios,
e muito mais do que pensam movidas por seus sentimentos, seus desejos, seus
temores (Ferrés, 1998). Esse pavor parece ter se instalado no conceito de que,
quando constatado a abundância, instala-se a perniciosidade. Mas isso não se
confirma. Luyten (1988)[14]
aponta que recebemos diariamente milhares de comunicações, de todas as
espécies. Segundo o autor “vivemos cercados por um mundo que, incessantemente,
nos lança elementos comunicativos: mensagens. O que acontece, porém, é que a
maior parte dessas comunicações é recebida e, imediatamente, esquecidas”. Ortiz
(apud Souza, 1999)[15] diz que a
informação não é cumulativa, “ela é sempre filtrada pelo crivo da estratégia”.
No entanto, o que importa é que o número de mensagens guardadas em nossa
memória é muito pequeno diante do grande número de mensagens recebidas. A média
diária de mensagens recebidas e lembradas – portanto efetivamente recebidas – é
de 100 por dia (Souza, 1999). “A informação precisa ser traduzida para um
código específico (os símbolos) que permita sua transmissão (os sinais) através
de um meio técnico determinado” (Ortiz, apud Souza, 1999).
continua...
[2] Mandato de 1 de fevereiro de 1999 a 1 de janeiro de 2005 (2 mandatos consecutivos).
[3] KASSAB, G. Abaixo a poluição visual. Folha de S. Paulo, 28 de maio de 2006, Caderno Opinião, Coluna Tendências/Debates, pág. A3.
[4] MARTINS, L. C. et al. Poluição atmosférica e atendimentos por pneumonia e gripe em São Paulo, Brasil. Rev. Saúde Pública, fev. 2002, vol.36, no.1, p.88-94.
[5] FREITAS, C., et al. Internações e óbitos e sua relação com a poluição atmosférica em São Paulo, 1993 a 1997. Rev. Saúde Pública, dez. 2004, vol.38, n. º 6, p.751-75.
[6] NASCIMENTO, L. F. C., et al. Efeitos da poluição atmosférica na saúde infantil em São José dos Campos, SP. Rev. Saúde Pública, jan./fev. 2006, vol.40, no.1, p.77-82.
[7] BAKONYI, S. M. C. et al. Poluição atmosférica e doenças respiratórias em crianças na cidade de Curitiba, PR. Rev. Saúde Pública, out. 2004, vol.38, no.5, p.695-700.
[8] MEDEIROS, A.; GOUVEIA, N. Relação entre baixo peso ao nascer e a poluição do ar no Município de São Paulo. Rev. Saúde Pública, dez. 2005, vol.39, no.6, p.965-972.
[9] RUMEL, D., et al. Infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral associados à alta temperatura e monóxido de carbono em área metropolitana do sudeste do Brasil. Rev. Saúde Pública, fev. 1993, vol.27, no.1, p.15-22.
[10] PAZ, E. C. da; FERREIRA, A. M. C. e ZANNIN, P. H. T. Estudo comparativo da percepção do ruído urbano. Rev. Saúde Pública, jun. 2005, vol.39, no.3, p.467-472.
[11] FERRÉS, J. Televisão subliminar. Porto Alegre: Artmed, 1998.
[12] SOUZA, W. de O. S. Desconfianças da propaganda dissimulada: temores de mensagens subliminares rondam o merchandising. Caderno UniABC de Comunicação Social, ano V, n.º 33, 2003.
[13] DICHTER, E. Las motivaciones del consumidor. Buenos Aires: Sudamericana, 1970.
[14] LUYTEN, J. Sistemas de comunicação popular. São Paulo: Ática, 1988.
[15] SOUZA, W. de O. Informações periféricas no ABC: Inventário dos veículos periféricos na construção da informação local na região do ABC paulista. (Dissertação de Mestrado). São Paulo: UMESP, 1999.
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